Separação, filhos e família
A família tem sofrido grandes alterações. Existe uma diversidade de tipos de família: monoparentais, homoafetivas e recompostas, para citar apenas alguns exemplos. E a separação de um casal, há pouco tempo impensável, hoje é vista como um fenômeno banal.
Por outro lado, as maiores autoridades mundiais nos estudos sobre separação/divórcio, como Wallerstein e Blakeslee (1991), Wallerstein e Kelly (1998) e Johston e Campbell (1988), afirmam que este é um dos eventos mais estressantes da vida. Uma separação provoca alterações profundas na vida dos envolvidos: econômicas (ocorre, de modo geral, declínio no padrão familiar); de residência para pelo menos um dos pais; no tipo de cuidado oferecido aos filhos (há menos um adulto por perto para dividir os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos).
Também é necessário um grande esforço psíquico para elaborar o luto de um casamento, de um ideal perdido, além do dispêndio de uma grande quantidade de energia psíquica para construir um novo projeto de vida sem o companheiro e com os filhos por cuidar.
Wallerstein e Blakeslee (1991) descrevem com primor que o processo de separação/divórcio é vivido de forma muito solitária. A solidariedade advinda em outros momentos difíceis da vida, por intermédio dos amigos e da família, não ocorre, na maioria dos casos, no momento da separação. Os amigos casados costumam afastar-se, seja por receio de ter que tomar partido de um dos membros do casal, seja pelo fato de a separação colocar em xeque suas próprias vidas junto aos seus companheiros. E os pais, presos em suas angústias diante de um futuro incerto, diante de questões práticas de difícil solução, muitas vezes não conseguem dar aos filhos a atenção de que estes necessitam. Todos sofrem: pais e filhos.
Os filhos encontram-se, assim, ainda mais sozinhos e angustiados do que os pais. Wallerstein e Kelly (1998) descrevem como cada faixa etária vivencia o momento da separação. Contudo, a vivência comum em todas as idades é o sentimento de perda (de uma família unida), de ansiedade em relação ao futuro e de solidão.
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A separação litigiosa
Se a separação já é difícil e desestabilizadora para a família, uma separação litigiosa é o que de pior pode acontecer em todas as escalas possíveis de problemas relacionados à separação, deixando profundas e trágicas consequências para os filhos. A separação litigiosa é aquela em que o ex-casal, por não conseguir chegar a um acordo sobre questões referentes à guarda, à pensão ou às visitas dos filhos, leva suas querelas aos tribunais de justiça.
Convém salientar que as famílias litigiosas também apresentam diferenças fundamentais, havendo casos de maior ou menor grau de litígio. Os casos de maior litigiosidade foram estudados pelo Ministério da Justiça canadense na pesquisa intitulada “Separação e divórcio muito litigiosos: opções a examinar” (Ministério da Justiça do Canadá, 2004).
O divórcio altamente litigioso é detectado pelos seguintes indicadores: uma das partes está envolvida em algum processo criminal (acusação de abuso sexual, negligência ou maus-tratos); órgãos de proteção de criança já foram acionados anteriormente; há uma troca frequente de advogados no processo; questões relativas ao divórcio são submetidas ao tribunal muitas vezes; o processo perdura durante longo período de tempo no tribunal, sem que seja encontrada uma solução para o caso; o processo deu origem a inúmeras declarações de testemunhas; o acesso de um dos genitores à criança é objeto de controvérsias sucessivas.
A pesquisa aponta que há três causas principais para esse tipo de litígio exacerbado: intrapsíquica, interindividual e relacionada ao próprio sistema de funcionamento da Justiça. Os problemas intrapsíquicos estão ligados à estrutura de personalidade de pelo menos um dos envolvidos. Os interindividuais dizem respeito à interação estabelecida pelos componentes do casal, já que, em uma família, a soma das partes não corresponde necessariamente ao todo.
Em relação aos problemas exteriores, a pesquisa aponta três aspectos ligados ao funcionamento do sistema:
- os advogados, que elaboram dossiês acusatórios sobre o outro membro do casal em um momento de intensa vulnerabilidade relacionada à separação, o que propicia um clima de guerra;
- os assistentes técnicos, que são representados em sua maioria por psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras contratados para acompanhar o trabalho do perito e que, em alguns casos, comportam-se como advogados das partes, em vez de atuar como agentes que visam promover o bem-estar da família;
- o juiz, aquele que julga uma parte como culpada e outra como inocente, segundo uma lógica que faz com que todos busquem não perder a fim de não se sentirem diminuídos ou culpados.
Considerando-se os problemas advindos da separação e de sua pior face (os casos altamente litigiosos), o que está sendo feito no Brasil sobre tal questão e como a escola pode ajudar no enfrentamento dessa problemática?
Auxiliando a família no momento da separação
A Justiça brasileira tem reconhecido que as disputas judiciais nas varas da família não são a maneira mais eficaz de resolver os conflitos familiares. Em função disso, tem tomado importantes iniciativas para evitar o litígio. Vejamos algumas delas, desenvolvidas na capital de São Paulo e em outros estados do país:
- Oficina de pais e filhos: visa sensibilizar os pais sobre a importância de um bom diálogo entre todos os membros da família. Explica para os filhos os problemas provenientes da separação, além de ensinar técnicas de comunicação não violenta. Todas as cartilhas utilizadas nessa oficina podem ser encontradas no site do Conselho Nacional de Justiça (www.cnj.jus.br) e são de grande auxílio na separação dos casais.
- Centros Judiciários de Cidadania e Solução de Conflitos (CEJUSCs): nesses centros, o casal pode agendar uma data para requerer a separação gratuitamente, sendo atendido por conciliadores que procurarão resolver as demandas desse processo de forma amigável e pacífica, elaborando um trabalho denominado de pré-processual. Caso o acordo seja promovido, o processo inicial é encaminhado ao juiz, que homologará o acordo.
- Centros de Conciliação Processual: esses centros contam com experientes conciliadores, que poderão facilitar o diálogo entre as partes, evitando litígios mais graves.
Além disso, com vistas a solucionar problemas relacionados às questões de divórcio, duas importantes leis foram criadas: a Lei da Alienação Parental e a Lei da Guarda Compartilhada. A primeira tem o objetivo principal de evitar que um dos genitores ou um membro de sua família afaste o outro do convívio com o filho, prejudicando sua imagem. Como resultado, o filho poderá vir a não mais querer qualquer tipo de proximidade com o genitor alienado. A segunda visa estabelecer poderes iguais aos genitores em relação aos filhos, além de promover uma convivência maior dos filhos com ambos os genitores.
Na prática, porém, observamos que essas leis, embora bem-intencionadas, podem ser usadas para promover ainda mais litígios. Atualmente, qualquer dificuldade que um genitor encontre no contato com o filho ou em relação às visitas pode ser atribuída à alienação parental. Estudos relevantes, entre eles “Como administrar problemas de contato: uma visão centrada na criança” (Freeman e Freeman, 2004), apontam que há uma série de fatores que podem dificultar o contato entre pais e filhos, sendo a alienação parental apenas um deles.
Desse modo, por mais bem-intencionadas que sejam, as leis podem ser utilizadas de má-fé em um contexto de adversidade. O melhor a se fazer, então, é evitar o litígio: “melhor prevenir do que remediar”, conforme o ditado popular. Nesse sentido, a escola pode ser uma importante auxiliar da Justiça.
O papel da escola no processo de separação/divórcio
Podemos pressupor que é essencial desenvolver junto a crianças e jovens um canal de comunicação não violento, promovendo uma cultura de paz e auxiliando-os a expressar seus sentimentos e pensamentos de maneira pacífica e empática.
Uma parceria entre a escola e o Tribunal de Justiça pode ser realizada com o objetivo de divulgar a oficina de pais e filhos. A escola pode estudar a possibilidade de desenvolver essa oficina internamente ou encaminhar os casos de separação/divórcio para as oficinas realizadas pelos órgãos da Justiça.
A escola também pode auxiliar, incentivando a participação de ambos os pais na educação dos filhos. Quando os pais são separados, é importante ouvir atentamente as versões dos dois sobre fatos que digam respeito à criança e ter clara a diretriz de enviar notas e ocorrências dos alunos para ambos os pais.
Ao detectar mudanças de comportamento do aluno ou dificuldades pedagógicas significativas, deve-se conversar com ele e, mediante informações sobre problemas decorrentes da separação, encaminhar a família e o aluno para os centros de mediação ou conciliação, oficina de pais e filhos ou psicoterapia.
Muitas conquistas têm sido realizadas na área de separação/divórcio a fim de torná-lo um evento menos traumático, e a escola é uma importante aliada no processo de promover a educação e a saúde mental da família. Ao apoiar pais e alunos nessa situação, a escola contribui para que esse momento tão solitário na vida das famílias possa ser vivido de forma menos traumática.
*Autoras: (link original: http://bit.ly/2jlS2Qm)
Lídia Rosalina Folgueira Castro é doutora em Psicologia, psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo, professora de Psicologia Jurídica da Faculdade Metropolitana Unida-Grupo Laureate (FMU) e do curso de pós-graduação da Faculdade São Camilo. lidiarfc@gmail.com
Evani Zambon M. da Silva é doutora em Psicologia, psicóloga-chefe do setor de psicologia das Varas da Família do Fórum Central da Capital de São Paulo e professora de Psicologia Jurídica na Faculdade de Direito da PUC-SP, onde é coordenadora do curso de extensão universitária Psicologia e Direito. ezms@uol.com.br
- Referências:
BAUMAN, Z. A modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 08 nov. 2015.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: . Acesso em: 08 nov. 2015.
CASTRO, L.R.F. Disputa de guarda e visita: no interesse dos pais ou dos filhos? Porto Alegre: Artmed, 2013.
FREEMAN, R.; FREEMAN G. Gérer les difficultés de contact: une approche axée sur l’enfant. Journal du Droit des Jeunes, Association Jeunesse et Droit, v. 7, n. 237, p. 64, 2004.
JOHSTON, J.; CAMPBELL L. Impasses of divorce: the dynamics and resolution of family conflict. New York: The Free Press, 1988.
MINISTÉRE DE LA JUSTICE CANADA. Department of Justice Canada. Minitère de la Justice Canada et Department of Justice Canada. Séparation et Divorce très conflituels: options à examiner: Disponível em: <http://www.justice.gc.ca/fra/pr-rp/lf-fl/divorce/2004_1/index.html> Acesso em: 08 nov. 2015.
WALLERSTEIN, J.S.; BLAKESLEE, S. Sonhos e realidade no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1991.
WALLERSTEIN, J.; KELLY J. Sobrevivendo à separação. Porto Alegre: Artmed, 1998.