Fábrica de crianças e jovens violentos
Estudo e escrevo sobre violência há muitos anos. Criei o Comitê de Defesa da Criança quando Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria; coordenei a Comissão Criança e Constituinte, em Brasília; participei da elaboração do Estatuto da Criança e Adolescente; fui membro do CONANDA durante dois anos; participei de inúmeras reuniões sobre o tema, onde estavam presentes desde ministros a pessoas do povo; tentei convencer Governadores, Ministros de Estado, autoridades, e mesmo profissionais que se dedicavam ao tema , de que as ações dirigidas para prevenir a violência estavam equivocadas, que medidas repressivas, embora até justificáveis , eram paliativas. Quantas vezes profetizei “Em poucos anos, as pessoas honestas passarão a ser prisioneiras dos bandidos”. Se não chegamos lá, falta pouco.
Infelizmente, consegui sensibilizar poucas pessoas e nenhuma autoridade. Triste e deprimido com notícias diárias de violências, descritas nas manchetes dos jornais e vistas pela televisão, sentindo-me impotente para mudar esse quadro, venho tentando conseguir todos os espaços possíveis para divulgar minhas ideias e dar minha pequena contribuição para a diminuição de um dos problemas que mais nos aflige.
Contextualizando o difícil tema
Para uma melhor compreensão tentarei, com um pequeno exemplo, mostrar-lhes como eu vejo e sinto as medidas que vêm sendo preconizadas para prevenir e combater a violência.
O presidente de um pequeno país resolveu construir duas fábricas de automóveis, para atender aos anseios da população. As fábricas ficaram prontas e os carros foram lançados no mercado. Logo, os consumidores começaram a reclamar. Até 6.000 quilômetros as coisas caminhavam relativamente bem. Daí para a frente, os problemas, de toda sorte, começavam. O diretor da fábrica criou programas especiais para atender aos consumidores -: “de combate as panes elétricas”, “de proteção à pintura”, “de conservação e troca de pneus”, “de substituição dos vidros”, “de recuperação de carros novos” (que eram frequentemente mal reparados por falta de peças e de pessoal habilitados “, “de recuperação de carros mais velhos” (nesses, os carros ficavam meses ou anos jogados em um depósito, expostos ao tempo, sem nenhuma proteção) e muito mais. Cada vez que o povo gritava, a diretoria, com o apoio do governo, criava um novo programa e dizia: “Com o “Programa contra a Ferrugem”, os carros não darão mais problemas” ou “Com mais 1000 operários contratados, melhorando a iluminação da fábrica, e comprando mais aço, ferro, tinta, estofados todos os programas serão melhorados e as queixas acabarão”. Ledo engano. Tudo seguia igual. A direção da fábrica e o governo, não sabiam o que fazer, a não ser enfiar milhões de dólares nas dezenas de programas, que não resolviam nada.
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Fábrica 2
O diretor da fábrica 2, que trilhava o mesmo caminho, teve um idéia genial. Chamou um grande engenheiro epidemiologista (será que isso existe?) Para estudar o problema. Examinou os carros detalhadamente e chegou à conclusão de que os problemas tinham origem na fábrica ou em acontecimentos que costumavam ocorrer nos primeiros 6.000 quilômetros rodados. Após um estudo meticuloso, chegou à conclusão de que havia necessidade de se modificar pouca coisa na fábrica, mas muito na conduta dos motoristas. Os pneus acabavam, porque poucos faziam balanceamento, rodízio, calibragem. O sistema elétrico entrava em curto, porque o rádio permanecia ligados e usavam os faróis para iluminar o jardim. Os estofados acabavam, porque os gatos e cães usavam os bancos para dormir e como sanitário. Os motores grimpavam, porque ninguém via o nível de óleo. Os radiadores ferviam, por falta de água. Os amortecedores quebravam, porque ninguém dava bola para os buracos. O sábio engenheiro fez um pequeno manual chamado “COMO CUIDAR BEM DO SEU CARRO” que foi distribuído, gratuitamente, a todos os compradores, e, daí em diante, os defeitos foram diminuindo progressivamente e as dezenas de programas ciados, passaram a ser desativados.
A maioria das pessoa violentas sofreram privação materna/paterna e/ou maus tratos na infância, principalmente antes dos seis anos. Sendo assim, porque não se investir em um manual, que seria distribuído à toda população, chamado:
“COMO EDUCAR E CUIDAR DAS NOSSAS CRIANÇAS PARA CONSEGUIRMOS DIMINUIR OS PORTADORES DE COMPORTAMENTOS ANTISSOCIAIS, RESPONSÁVEIS POR TODOS OS TIPOS DE VIOLÊNCIA”
*Autor: Antônio Marcio Junqueira Lisboa, médico pediatra pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil. Em 1988 assumiu a Presidência da SBP. Criou o Comitê de Defesa dos Direitos da Criança e da Adolescência, a Comissão de Manuais de Atualização (12 publicados). Idealizou os Departamentos e a Academia Brasileira de Pediatria, concretizados posteriormente. Representou-a na Comissão Nacional de Residência Médica e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Primeiro médico de Brasília eleito para a Academia Nacional de Medicina e para presidente da SBP. Em 1997. eleito membro da Academia Brasileira de Pediatria.