Como educar seu filho para não ser um cara machista
Sai o resultado do ultrassom, você avisa familiares e amigos que é um menino. Alguém lança: “Prendam suas cabras que já já este bode aqui vai estar solto na área”. O nenê ganha roupinhas azuis, uniforme de futebol, carrinhos, super-heróis. Mais tarde, no parquinho, ele brinca com a boneca de uma amiguinha e imediatamente alguém te adverte: “Você vai deixar? Não tem medo que ele seja gay?”. Você repreende a criança. Seu filho chora. Você fala para o menino: “Pare de chorar! Você não é uma menininha, é um homem”. Ele segue crescendo. Você não pede ajuda com as tarefas domésticas, como faz com a sua filha, porque “isso é coisa de mulher”. Adolescente, ele vê uma garota de saia curta e decote e diz que ela está “pedindo para ser assediada” porque “não se dá o respeito”. Você concorda com ele. Sinto muito: você criou um machista…
Não precisa (nem deve!) ser assim. A página Já falou para seu menino hoje?, que acumula mais de 66 mil seguidores, ajuda pais e mães a construir uma sociedade mais justa e menos violenta. Especialmente no que diz respeito à educação dos meninos. A iniciativa virtual é da pedagoga Caroline Arcari, presidente do Instituto CORES, e da psicóloga Nathalia Borges, coordenadora do projeto de relações de gênero na Escola de Ser. Nesta entrevista, elas debatem o assunto e dão nove dicas preciosas para evitar que seu filho reproduza comportamentos machistas.
A psicóloga Nathalia Borges e a pedagoga Caroline Arcari, idealizadoras e coordenadoras da página “Já falou para seu menino hoje?” no Facebook (Divulgação / Arquivo pessoal)
– Quando falamos em combater o machismo, pensamos logo em empoderar as mulheres. Mas qual é a importância de combatê-lo também a partir dos meninos?
Caroline e Nathalia: Na Escola de Ser construímos com as crianças oficinas que abordassem temas sobre a equidade de gênero. Alunas e alunos sempre traziam situações de suas realidades como: uma menina impedida de jogar futebol na escola; um menino que sofreu bullying por chorar; um grupo de meninas que levou advertência pelo tamanho do shortinho; uma mãe que apanhou do companheiro por não cumprir as tarefas domésticas; uma menina de 12 anos incomodada com os assédios que sofria no caminho da escola.
Depois que realizamos uma oficina de empoderamento de meninas, notamos que os meninos não estavam desenvolvendo empatia nem sensibilidade à causa. Pelo contrário, eles estavam resistentes aos temas trabalhados. Trabalhar essa temática com meninas é mais simples, pois nas discussões e atividades elas ganham autonomia, se empoderam sobre o seus corpos, se veem mais capazes de tomar decisões independentemente da opinião alheia e também se sentem acolhidas em suas angústias e denúncias. Ao trabalhar a mesma temática com os meninos, eles “perdem” coisas, perdem privilégios, perdem poder, deixam de ser legitimados por comportamentos opressivos que são tidos como da personalidade masculina. Porém, à medida que eles aumentam suas possibilidades de ser e se expressar das mais variadas formas, também ampliam a sua compreensão crítica do mundo, tornando-se capazes de romper ciclos de opressão e repensar comportamentos tão naturalizados e que a sociedade, ainda, perversamente, exige dos garotos.
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A ideia de trabalhar com meninos é também dividir a responsabilidade social para um mundo mais justo. Não só empoderar meninas sobre suas potencialidades e direitos, mas educar meninos para que respeitem o corpo, o espaço e as decisões das meninas. Não só ensinar meninas a tomarem espaços públicos e posições de tomada de decisão, mas educar meninos para que se apropriem do espaço doméstico, que também é responsabilidade deles. Não só criar novas possibilidades de ser mulher, sem os padrões de submissão, mas mostrar novas possibilidades de ser homem, que não estejam vinculadas ao controle, uso do poder e agressividade.
– De que forma o machismo prejudica os meninos?
Caroline e Nathalia: Parece que não, mas os meninos também sofrem com a rigidez dos estereótipos de gênero. Um exemplo é que muitos deles são vítimas e assistem à violência doméstica. Contraditoriamente, por falta de modelos e alternativas, acabam repetindo comportamentos que outrora tanto lhes prejudicaram. É preciso ensinar a eles que não precisam ser agressivos ou territorialistas para serem masculinos.
Engolir o choro, provar que é “homem”, não poder expressar os medos, dissimular sentimentos, cumprir ritos sociais agressivos, mostrar-se valente, heróico, exercer o controle, competir… tudo isso é uma carga que para um menino é pesada sim. O documentário The Mask You Live In mostra que as exigências sociais que os meninos cumprem os afastam de sua humanidade, do potencial de contribuírem para uma sociedade com menos violência e mais equidade entre os gêneros.
Reconhecemos que indiscutivelmente as vítimas do machismo são meninas e mulheres em suas mais variadas nuances, como nos prova uma estatística arrebatadora: a cada 11 minutos 1 mulher é estuprada no Brasil. Ou seja, a cada 11 minutos um homem estupra no Brasil. E é nessa questão que queremos chegar. É urgente educar meninos para que descubram novas masculinidades, novas formas de se relacionarem e se posicionarem no mundo, para que se consiga de maneira eficaz diminuir os dados de violência doméstica, sexual e de gênero.
– Como educar um menino para não ser machista numa sociedade machista? É fácil? Quais são as vantagens (pra todo mundo)?
Caroline e Nathalia: Claro que não é fácil! Educar um menino para não ser machista pressupõe, antes de tudo, educarmos as pessoas adultas que cresceram nesse mesmo contexto, que riram de piadas machistas, viram os homens relaxarem depois do churrasquinho de domingo enquanto as mulheres lavavam a louça da família toda, que cresceram achando que as cantadas abusivas eram um elogio, que julgaram as roupas e comportamento das mulheres que um dia sofreram violência sexual.
Sejam mães, pais, responsáveis, professores ou professoras, a educação de meninos para a equidade de gênero é posterior a uma reflexão dos próprios adultos responsáveis por ela, que, se tiverem a oportunidade, podem desconstruir os valores com os quais foram socializados, a fim de promover uma educação engajada que diminuirá a violência, como dissemos antes.
É um trabalho que requer persistência, pois ao mesmo tempo que ensinamos um menino que ele não precisa adotar certos tipos de comportamentos para ser “homem”, ele também recebe uma série de estímulos machistas vindos dos mais variados veículos como músicas, filmes e até mesmo da família e amigos. Esses elementos são de grande impacto em sua vivência.
As vantagens dessa educação para a igualdade são para todos. Até para a próxima geração que terá pais (plural de pai) mais presentes na educação dos filhos e um modelo de relação familiar mais saudável, com menos violência doméstica. E quando dizemos que é pra todo mundo, queremos dizer que a economia e desenvolvimento global estão intimamente ligados à equidade de gênero. O próprio enfrentamento da pobreza depende disso, como sugere o Fórum Econômico Mundial, que estabelece o Ranking sobre Equidade de Gênero dos países do mundo.
– Vocês poderiam ilustrar o que pais e mães podem fazer em casa? Existem funções diferentes para o pai e para a mãe nesse processo?
Caroline e Nathalia: Não só o que mães e pais dizem, mas também como se relacionam e dividem as tarefas da casa, já são componentes essenciais na percepção da criança sobre como homens e mulheres se comportam e dividem suas funções no cotidiano. Para sermos mais práticas, podemos fazer uma listinha super especial do que NÃO fazer. Evite:
- Dizer que homem não chora, principalmente se o menino está sentindo medo, dor ou constrangimento. Todo ser humano pode (e deve) chorar, com ou sem motivo aparente. Chorar não diminui o valor do ser humano, nem é coisa inerente à feminilidade.
- Dizer que quando um menino belisca ou puxa o cabelo de uma menina é porque está apaixonado por ela. Se você disser isso, está naturalizando que amor pressupõe violência.
- Dizer para o menino: “seja macho” ou “aja como homem”. Essas frases exigem da criança que ela se comporte com agressividade e uso de poder. Porém, cada ser humano tem características próprias e deveria ter a possibilidade de se expressar da maneira que lhe convier, com liberdade.
- Deixar as tarefas domésticas somente para as meninas. Para limpar a casa, lavar roupa e cozinhar não precisa usar o órgão genital, apenas as mãos. E mãos, meninos e meninas têm, não é mesmo? Além disso, todos utilizam e sujam os ambientes da casa. Nada mais justo todos participarem e ninguém ficar sobrecarregado!
- Dizer “segurem suas cabritas que meu bode está solto”. Essa frase é a tradução da cultura do estupro. Autoriza meninos a assediarem, avançarem o sinal, agirem como pegadores, enquanto sugere que meninas que não estiverem protegidas, podem ser pegas pelo bode com impulso sexual incontrolável. Não é à toa que a sociedade, perante um caso de estupro, culpabilize a vítima ao comentar de sua postura e sua vestimenta, ao invés de se indignar com o crime em si, cujo responsável é tão somente o estuprador.
- Falar que meninas devem “se dar o respeito”. Ei, mulheres e meninas não precisam se dar o respeito porque ele já é delas e está garantido por lei. Não cabe a ninguém julgar atitude, roupa ou postura das mulheres.
- Dizer que homem tem que ser “cavalheiro” com as mulheres. A real é que homens devem tratar as mulheres da mesma forma que devem tratar qualquer pessoa: com respeito e gentileza.
- Dizer que futebol é coisa de homem ou que dançar é coisa de mulher. As brincadeiras e esportes são atividades lúdicas que a criança escolhe simplesmente porque gosta. Para um bebê, qualquer objeto é fonte de prazer para o brincar: uma garrafa pet, um pote, um balão. Deixar que as crianças experimentem atividades e tenham novas experiências, aumenta o repertório de amizades e satisfação pessoal.
- Dizer para a menina que cozinha “já pode casar”. Por que o ato de cozinhar deve estar vinculado ao matrimônio e à função de uma esposa? Hoje em dia, quando alguém cozinha um quitute na Escola, falamos: “ah, já pode estudar fora” ou “nossa! já pode cozinhar para os amigos!” ou ainda “uau, pode morar sozinho(a) hein?”.
*Autora: Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria. Texto original do Portal Géledes: http://bit.ly/2mlen4n
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