A Vida – Parentalidade e amor na Primeira Infância
Vivemos um momento crucial para as equidades e, principalmente, para o reconhecimento dos direitos daqueles que não estão incluídos nos “padrões”, ou que extrapolam o senso comum.
Governos do mundo inteiro estão voltados para a implementação de estratégias para o cumprimento de ambiciosas, mas necessárias metas traçadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, até 2030. Ao mesmo tempo, governos e sociedade vêm enfrentando reações conservadoras em nível global. Superar tais entraves e promover a igualdade de gênero, além de uma vida digna e próspera às populações, constitui desafio em todas as esferas, sejam estas sociais, políticas ou econômicas. Só com esforços coletivos, determinação e persistência é que se poderá viabilizar a concretização de objetivos e metas de ações voltadas para este fim.
Em meio a tais movimentos, a questão da implementação de políticas públicas que priorizam a primeira infância, como uma alternativa não apenas possível, mas necessária.
A PIM
A política pública Primeira Infância Melhor – PIM, que há 14 anos vem sendo implementada em municípios do Rio Grande do Sul, é um palpitante exemplo de como as famílias podem ser sensibilizadas e mobilizadas em prol de seu próprio bem, em termos de valor, autonomia, saúde, além de corresponsabilidade afetiva e social. O reconhecimento de seus direitos e de suas competências para proteger, cuidar e educar seus filhos, constitui legado de inestimável valor, em se tratando de promoção de vida saudável. É o presente colocando-se com créditos para o futuro – uma promessa de alteração dos ciclos intergeracionais de pobreza e iniquidades.
Neste âmbito, a Paternidade e Cuidado – uma temática naturalmente inserida no contexto PIM, plenamente viável enquanto ampliação do olhar e escuta qualificados junto às famílias. As orientações semanais que o Visitador realiza com pais e/ou cuidadores e suas crianças, além do vínculo de segurança e confiança estabelecidos reciprocamente, resultam em ganhos recíprocos.
A interatividade possível é pautada pelo subjetivo, carregado por cada sujeito, onde vivências e histórias se entrelaçam para tecerem redes, caminhos e probabilidades. E nestes, as potencialidades para o desenvolver(-se); para o “ser-viver” humano saudável, com estrutura suficiente para o enfrentamento dos desafios da vida – hoje, mais necessários do que nunca.
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A responsabilidade da função paterna
Neste cenário, um pai. Neste lugar, alguém que assume ser aquele que responde pela função paterna na atenção ao filho, para além do gênero identificado, reconhecido ou não. O amor é o elemento agregador na formação de uma parentalidade afetivamente saudável. Pai e mãe podem estar juntos, compartilhando todos os momentos da vida em comum, assumindo atividades e responsabilidades que a vida em família demanda. A definição de papeis distingue-se a partir do lugar que se constitui internamente, em cada um. Mas, como dar conta das “cobranças” que a sociedade impõe? O que precisa ser mudado?
A atualidade nos traz, também, uma nova ou talvez, um renovado destaque à figura do pai. E, como falar de paternidade participativa, como contribuir para uma maior amplitude nos ganhos para a família e/ou para a própria existência da família como instituição social?
Esta é uma reflexão que envolve entre outras coisas, a questão do cuidado como algo inerente ao existir humano e, também sobre o que entendemos ser um homem ou uma mulher. Ainda, sobre o que deve fazer o homem e o que deve fazer a mulher em relação às obrigações para com a família. A natureza animal – é importante lembrar – nos dá exemplos magníficos de cuidado e proteção de seus filhotes, além da ampliação deste cuidado como um eficiente existir em comunidade. Abarcando abundante diversidade, segue os instintos que sua genética garante, sem os riscos de influências externas. Muitas espécies têm este comportamento. Mais que exemplo, esta é uma lição.
Então, nada como investimentos e providências sensibilizadoras e mobilizadoras para a atenção aos primeiros anos de vida. Tal exemplo está sendo dada pelo Primeira Infância Melhor. Numa sociedade como a nossa, onde as desigualdades de toda ordem saltam aos olhos, a cada passo, a “interioridade/alteridade” constitui grande desafio. A promoção das competências da família- independente de sua configuração – para o cuidado, educação e proteção de sua prole, constitui ganho incontestável.
A vida humana, que só acontece a partir da relação com o outro, é uma prova irrefutável da fragilidade do ser. As relações entre o homem e a mulher estão configuradas e identificadas na cultura de modos distintos e assim são percebidas, tratadas e cultivadas. O que estiver fora dos “padrões” é apontado, marcado. A Cultura trata de solidificar tais modos de ser/existir em sociedade, sejam estes benéficos ou não.
O Homem como cuidador
Assim, o Homem enquanto ser, deve aprender a lidar com as perspectivas de um “apreender-se”, incluindo na atenção aos seus uma concepção histórica de paternidade a partir de novos conceitos, expondo enfim, a própria contemporaneidade. Esta pode ser frágil em relação às aceleradas mudanças exigidas pelo mundo, mas pode ser grandiosa se o mundo interior, que em cada um habita, estiver alicerçado na amorosidade; no respeito e responsabilidade. Uma utopia?
E, cá estamos a caminhar no sentido contrário – um andar na direção do desenvolvimento.
O dia a dia nos evidencia exemplos de homens/pais cuidando de sua prole, tendo assumido integralmente suas responsabilidades paternas. Comumente, estes são identificados com estranheza pelos demais. Onde está o provedor? Do mesmo modo, quando mulheres/mães “abandonam” as tarefas domésticas para assumirem cargos de chefia ou trabalhos culturalmente reservados aos homens. Cadê o cuidado diário dos filhos e do lar? Esta é a cobrança implícita em olhares, gestos o/ou palavras, voltados à família.
O campo do trabalho ratifica, reproduz e dissemina as desigualdades. Nas relações de gênero, não é diferente. Ainda, não se está preparado para dar conta do peso que reflexões/atitudes/decisões podem despertar nas corporações e/ou instituições. Evidências de homens que deixam às mulheres a tarefa de cuidar e proteger os filhos, são profusas, estejam estas trabalhando fora ou não.
Rompendo paradigmas
É necessário romper inúmeros paradigmas fragmentadores das percepções e das relações sociais, onde o afeto, o respeito e os valores humanos têm na irresponsabilidade um fator para vulnerabilidades. Estas precisam ser identificadas e devidamente consideradas para superação, num contexto de rede multisetorial, de coesão, força e vontade realizadora na gestão das necessidades e demandas.
Dicotomias sociais e ou culturais presentes na perspectiva da integralidade do ser, emperram e limitam. Nada acrescentam, além de atitudes e/ou posicionamentos empobrescidos, igualmente limitantes. Quem é mãe? Quem é pai? Que importa o gênero quando o amor define os papeis e as responsabilidades?
Finalmente, quando vemos famílias assumindo suas competências para estimular e desenvolver suas crianças (apesar da escassa presença de referências em termos da ética e da moral, no contexto sócio-político e econômico atual), a esperança renova-se.
Em cada um, a certeza: é do começo que temos que partir. É da família fortalecida que se pode e deve esperar o grito de “saúde” mais potente e transformador. É do estímulo adequado no tempo certo que se pode comprovar, por exemplo, a força do brincar para crescer.
E é assim, construindo pontes para “acessibilidades”, que a vida vai sendo construída, amorosa e cuidadosamente, pelo Primeira Infância Melhor.
*Autora: Lacy Pires, formada em Psicologia pela UNISINOS/RS, com Pós-Graduação em Gestão Pública em Saúde- Ciências Sociais Aplicadas, pela Faculdades Integradas Jacarepaguá/RJ e especialização em Gestão de Políticas e Programas em Desenvolvimento Infantil Precoce, pelo Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Econômico e Social- INDES – promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento /BID. Além disso, experiência de 15 anos na gestão do programa Primeira Infância Melhor, da Secretaria Estadual de Saúde, Porto Alegre.
Referências Bibliográficas:
- Fried Schnitman, D. (org.) (1996), Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas. 294 págs. ISBN 85-7307-167-2.
- Pereira da Silva, Maria Cecília, “Ser pai, ser mãe – Parentalidade: um desafio para o terceiro milênio”; Ed. Casa do Psicólogo – 2014.
Josenaida
Interessante o texto. Realmente estamos vivendo uma avalanche de transformações no núcleo familiar, precisamos de tempo para assimilar, organizar e entender tais mudanças e principalmente inserir no nosso cotidiano de tal maneira que possamos viver sem sobressaltos, quando nos deparamos com atitudes,maneiras e vivências que colocam nossos conceitos a prova.