7 de agosto de 2017 4daddy

Será que não estamos adoecendo as crianças com nossa pressa?

Será que não estamos adoecendo as crianças com nossa pressa?

Será que não estamos adoecendo as crianças com nossa pressa? Será que o aumento dos distúrbios infantis, não estão diretamente ligados ao tempo insuficiente do brincar? Será que não estamos tolhendo as crianças de gastar suas energias brincando e exercitando a imaginação?

Analisando o cenário atual da Educação Infantil, a sociedade faz um apelo: devolvam o tempo do brincar na Educação Infantil. Não podemos aceitar as recentes mudanças impostas pelo MEC de escolarização da Educação Infantil. Leia aqui.

Faço parte de uma geração que passou os primeiros anos de vida brincando em casa, na escola, na rua, com amigos da vizinhança, com primos, cuidando da minha cachorrinha, ouvindo histórias contadas pelos mais velhos, andando de bicicleta pelo bairro, e assim  descobrindo e explorando o mundo.

Na pré-escola , até os 7 anos,  aprendi muitas canções e histórias, desenhei, pintei, recortei, colei, pulei corda, brinquei de roda, amarelinha, casinha, médico, professora, etc… Aprendi a dividir com os amiguinhos, jogar de acordo com as regras, pedir desculpas quando necessário, cuidar das plantinhas, guardar e arrumar o que tirasse do lugar, não mexer no que não fosse meu.

Há uma grande diferença entre a minha vida na pré-escola e a vida das crianças nos dias de hoje. Os anos pré-escolares se transformaram em uma competição acadêmica exaustiva. A Educação Infantil ficou muito parecida com o Ensino Fundamental, por causa da ênfase na alfabetização.

 Por que tanta pressa em alfabetizar as crianças?

Crianças de 4, 5 anos, ainda ávidas por correr, pular, girar, são requisitadas para atividades cognitivas que exigem um corpo estático e destreza em habilidades ainda em desenvolvimento na criança, como a coordenação motora fina. Raquel Franzim, assessora pedagógica do Instituto Alana, fala que “A criança aprende o mundo com todo seu corpo, não  apenas com os dedos de uma mão”.

Autoridades escolares diminuíram o intervalo do recreio para criar espaço para mais conteúdo curricular. Em algumas escolas as crianças não podem mais correr. Com isso os consultórios de psicologia estão cada dia mais cheio de crianças com problemas de falta de concentração, ansiedade, e vários transtornos.

Em 2007, o Conselho de Pesquisa Econômico e Social da Inglaterra publicou um documento que contou com a participação de dezessete especialistas de diversas universidades europeias interessados na discussão entre a neurociência e a educação, que diz o seguinte:

“Contrariando a crença popular, não existem evidências neurocientíficas que justifiquem começar a educação formal o quanto antes. A plasticidade do cérebro é um fenômeno que dura a vida inteira, não somente nos primeiros anos.”

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 Afinal, o que é alfabetização? 

Paulo Freire sempre advertiu que alfabetizar é antes de mais nada conscientizar. Ele falava da conscientização do “mundo vida”, onde a criança vive, onde ela se encontra e o que a rodeia. Dizia que primeiro a criança lê o mundo para depois ler as letras”.

Em outras palavras é o que fala também a jornalista especialista em neurociências e neuropsicologia Michelle Müller: “Antes de generalizar o aprendizado das palavras ou apressar a alfabetização, é preciso ter em mente que a leitura de mundo dos pequenos acontece de muitas maneiras. Um bebê, por exemplo, lê com o corpo, com os ouvidos, com as mãos, a partir da exploração tátil, sonora e visual das coisas.

O psicolinguista colombiano Evelio Cabrejo Parra, explica que “o bebê, ao nascer, já vem com a capacidade de escutar. Quando se lê para ele em voz alta ou se canta uma canção de ninar, ele se põe em posição de escuta. Isso quer dizer que ele está tratando de construir significado à sua maneira”.  Parra defende que desenvolvemos a linguagem desde bebês, e vê  a ‘alfabetização’ como um processo sutil anterior à fala e à escrita, que tem início por meio da escuta.

A experiência dos finlandeses, que não começam uma instrução formal de leitura antes de 7 anos de idade, revela que “a base para o início da alfabetização é que as crianças tenham atenção e ouçam … que elas tenham falado e conversado, que as pessoas tenham discutido [coisas] com elas … Que elas tenham feito perguntas e recebido respostas”.Beatriz Gayotto, pedagoga pelo Instituto Singularidades, e professora de Ensino Fundamental do Estado de São Paulo, adverti  que “o enfoque do trabalho da Educação Infantil deve ser a socialização da criança, o desenvolvimento das habilidades de ouvir, de se expressar e de negociar. A Educação Infantil deve aumentar os horizontes culturais das crianças, resgatar as canções, histórias e brincadeiras que elas conheceram em casa e ampliar seu repertório com o dos colegas e com aquele que a professora apresenta, tanto da cultura regional como da mundial”.

Fatores que favorecem o processo de alfabetização

  • Habilidades motoras e domínio espacial, adquirido na exercitação do correr, saltar, rodar, equilibrar-se em troncos de árvores, perna de pau, trepa-trepa, etc…
  • Interação social, conquistado pelas brincadeiras e jogos em grupos, em casa e na escola
  • Expressão oral, saber dialogar, contar uma história, facilitado por repertório de canções, histórias, versos, parlendas, aprendidos em casa, na escola
  • Escuta, exercitado por ouvir histórias em casa, na escola
  • Registros de ideias e vivências artísticas por meio de desenhos, pinturas e colagens
  • Saber contar os números, exercitado nas brincadeiras de esconde-esconde, pular corda, nas compras com a família, na cozinha com os pais no preparo de receitas culinárias, etc…
  • Autonomia no cuidado pessoal e de seus pertences
  • Internalização de rotina e ritmo

Na contra mão da aceleração…

Especialistas afirmam que o aprendizado formal  é mais produtivo  a partir dos 6 anos de idade, pois é quando as crianças são mais capazes de lidar com ideias abstratas. Afirmam também que  crianças que chegam à escola socialmente adaptadas, que sabem seguir instruções, compartilhar, ajudar os amigos, terão mais chance de dominar a escrita, a leitura, e os números.

Um dos grandes aliados da criança na primeira infância, como força de aprendizagem, é o brincar livre. Entretanto, infelizmente na sociedade contemporânea o brincar livre está em declínio, as novas gerações estão sendo privadas deste tempo e espaço de brincar.  Especialistas na área de educação e saúde vêm alertando sobre a diminuição do tempo de brincar das crianças e seus prejuízos.

Brincar é substrato para a vida,  é o motor da infância que garante a potência para a vida adulta. Brincando  a criança desenvolve competências que serão requisitadas mais tarde nas relações interpessoais e de trabalho. Brincar é uma atividade instintiva, natural e espontânea da criança. Ele é essencial para o desenvolvimento infantil integral e saudável, e segue tendo sua importância ao longo da vida adulta, porque afinal somos seres lúdicos.

O brincar tem origem na curiosidade e necessidade de exploração da criança para construção do seu próprio mundo, sua identidade, a imagem de si e a compreensão do mundo que a cerca. Ele ensina tudo o que os pequenos precisam aprender sobre a dinâmica interna e estrutura do seu próprio corpo. Quando brinca a criança está inteira na brincadeira, pois brinca com todo o seu ser. Brincando ela experimenta o estado de flow, e assim desenvolve a capacidade de concentração, necessária para o processo de alfabetização.

Quando meus filhos tiveram que ir para escola, optei por uma pré-escola com foco no brincar livre na natureza. O início do processo de alfabetização de ambos, só ocorreu a partir dos 7 anos, quando eles estavam prontos e maduros para as atividades intelectuais. Conto minha experiência em detalhes aqui.

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Ana Luica Machado do blog Eduando tudo Muda apoia a nossa campanha e você?

Quando compartilhei minha história com os leitores do Educando Tudo Muda, dezenas de pais e educadores se manifestaram, expressando suas angústias e inquietações por meio de comentários no blog e nas redes sociais. Vale a pena ler esses comentários, como o da mãe Viviane Silva, e da professora Grace Vania Loguercio Budke:

“Oi Ana….amei seu texto sou estudante de pedagogia e tenho 2 filhos um 7 anos completos e outra com 5 anos, ambos estudam em escola pública e na escola pública o ensino vem mudando por exemplo os professores de EMEI agora que é o pré não precisa mais iniciar a alfabetização, tudo para deixar a criança brincar porém vem o estado e muda tudo, pq agora a criança inicia no ensino fundamental com 6anos, não tive problemas com meu filho pois faz aniversário em Maio então entrou no primeiro ano com 7 anos completos, mas já estou mega triste pois minha filha vai para o ensino fundamental com 6 pois ela faz aniversário em dezembro como completa 7 no ano seguinte já vai para o primeiro ano, eu acho tudo mais precoce nela, mas na alfabetização é bem claro q ela não está madura o suficiente, meu filho quando saiu ja estava lendo pequenas palavras mas isso foi sendo progresso dele sozinho, ir juntando as letrinhas q ia aprendendo, mas ele já estava para completar 7 anos, o que ainda não acontece com a minha filha ela ainda não despertou esse interesse pq não está na idade certa ainda, vai ser forçada a aprender e se alfabetizar 1 anos antes sem necessidade. Falei com a escola, pra ela ficar mais 1 ano na EMEI e isso não é possível, devido a demanda e tb pq a lei é essa agora, o primeiro ano é considerado a iniciação e ela está apta. Enfim, triste mas é a nossa realidade”.

“Sempre me questiono… Por quê alfabetizar antes dos sete anos??? Como professora presenciei angustiada a frustração de alunos imaturos e com sérios problemas de  relacionamento com o mundo exterior, por terem deixado os anos lúdicos por compromissos e hora para brincar. O bum!!!! Disso tudo se dá na pré adolescência lá pela quinta ou sexta serie. A desculpa de pais ansiosos é que hoje os pequenos já dominam a era digital!!!etc,etc. Que hoje é diferente. Sim, mas para eles antes dos 7 anos tudo ainda é brinquedo, sem compromisso , horário e confinamento de sala de aula”.

É preciso questionar o sistema e defender o direito das crianças viverem a infância como deve ser, respeitando as etapas de seu desenvolvimento. Tudo a seu tempo.

*Autora: Ana Lucia Machado, Paulistana , graduada em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero. Publicitária, com atuação nos principais veículos de comunicação do país: TV Gazeta, Editora Abril, Rádio Globo, Rádio CBN e Rádio Eldorado. Com cursos em “Pedagogia Waldorf” pelo Centro de Formação de Professores Waldorf de São Paulo, e “Transdisciplinariedade em Educação, Saúde, Liderança, e Cultura de Paz”, pela UNIPAZ. Autora do livro “Clarear a pedagogia Waldorf em debate”, publicado em dezembro de 2010. Indicado pelo site Net Educação como um dos 10 melhores livros para entender o método Waldorf. Educadora, artesã e pesquisadora dos temas autoconhecimento/autoeducação, cultura da infância e arte na educação. Integrante do Grupo de estudos INTERESPE – Interdisciplinaridade e Espiritualidade na Educação, organizado pelo Professor, doutor Ruy Cesar do Espírito Santo na PUC de São Paulo. Idealizadora e fundadora do blog “Educando tudo muda”, focado em projetos educacionais de cuidados e valorização da primeira infância e reconexão da criança à natureza.

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