Por que homens e mulheres se incomodam tanto com amamentação em público?
A musicista Yara Villão foi proibida de continuar amamentando a filha recém-nascida, que estava internada por ser prematura, para que seus seios não ficassem expostos durante o horário de visitas na UTI. O hospital acabou se retratando, mas, infelizmente, este não foi o único caso de mulheres sendo constrangidas no momento em que alimentavam seus bebês. Basta uma rápida pesquisa em grupos no Facebook para descobrir outras histórias.
Mãe de uma menina de poucos meses, Fernanda Gimenes Cruz Pacheco avalia que as pessoas se incomodam bastante com o ato de amamentar em público. “Teve uma vez que estava em um shopping com a bebê e meu filho mais velho. Sentei em um cantinho para alimentá-la e joguei a fralda para tampar seu rosto, até porque a maioria acha um absurdo não fazer isso. Uma senhora parou ao meu lado falando que o lugar de amamentar não era ali, mas no fraldário, que era minúsculo”.
Quando o filho tinha dois meses, Raquel De Oliveira precisou alimentá-lo dentro de um mercado. Surgiu uma mulher pedindo para ela tampar os seios, pois “todo mundo estava olhando”. “Continuei e indaguei: as mulheres ficam peladas no Carnaval, mas porque não posso dar vida para o meu filho? Deixei falando sozinha e fui embora terminar minhas compras”, conta.
Uma senhora mais velha também não gostou quando Raquel Monteiro iniciou a amamentação dentro de um shopping. Ao ser questionada, a mulher argumentou que o certo seria tampar o rostinho da criança com um pano. “Perguntei se ela fazia isso na hora de comer e a senhora saiu dizendo que era falta de respeito. Repare que, na maioria das vezes, essa reprovação vem das próprias mulheres”, ressalta. A falta de compostura masculina também é um fator bastante presente nas histórias. A ponto de muitas precisarem parar de amamentar quando o veículo em que estão para ao lado de um ônibus, por exemplo. Fica difícil evitar os olhares.
Cynthia Ribeiro conta que, certa vez, saiu para procurar carro com o marido. Na concessionária, o filho pediu para mamar e, enquanto fazia isso, o vendedor ficou olhando e tocando no próprio pênis. “Perguntei: algum problema? O cara ficou sem graça, mas só contei para meu marido depois que saímos dali”, explica.
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O que todas essas histórias têm em comum?
O antropólogo Darrell Champlin aponta que é a presença de mamilos expostos. Ele lembra que nem existe tanta diferença em se ver um seio nu daquele mostrado pela mulher quando está usando um biquíni, por exemplo. No entanto, se o mamilo aparecer, isso já é motivo para transtornos. “Quem nunca leu em algum site sobre celebridades aqueles títulos do tipo ‘Fulana mostra demais’? E o que seria mostrar demais? Aparecer o mamilo”, responde.
Para ele, um dos motivos da sociedade censurar essa parte do corpo feminino seria o paradigma, que é a forma como somos criados pelas ideias vindas de nossas tataravó, que passaram para as avós, mães e chegaram até nós. “Essa crença básica foi moldada lá atrás, tornando o assunto tabu por ter relação com sexualidade e nutrição. Com isso, homens e mulheres são doutrinados, desde muito jovens, a pensarem assim”, explica.
Segundo Champlin, seria preciso colocar o assunto sobre uma perspectiva evolucionária-biológica para entender melhor a questão. “Esse tabu, por exemplo, é correlacionado a fenômenos biológicos, bioquímicos e culturais”, explica. As sociedades cristãs escondem os seios – entre outros fatores – pelo tabu de que, se vemos os mamilos de outra pessoa, podemos vir a sentir alguma atração sexual. “Além disso, uma mãe amamentando está nutrindo outra pessoa que não aquele que vê a cena, o que torna o ato obsceno e levanta tanto a questão da nutrição física quanto emocional”, diz.
Além disso, ainda existe o estímulo sexual. A espécie humana é uma das únicas onde um parceiro faz sexo de frente para o outro. “Durante a transa, eles despertam uma lembrança primal de tal maneira que gera ocitocina no cérebro do homem, algo estimulante e que aumenta o nível de excitação sexual, obviamente”, ressalta.
Na mulher, o mesmo hormônio estimula a produção de leite materno. “Ou seja, além de uma reação química, temos uma reação social, por conta da relação pré-histórica com a nutrição e biológica, pois estimula a produção desse fenômeno químico chamado ocitocina”, diz.
Empoderamento
A psicóloga perinatal Bianca Amorim, que também é coach de mães e especialista em conflitos maternos, avalia que o mundo ainda está mudando a cultura em torno da amamentação do bebê. Por isso, ainda nos deparamos com situações como as citadas pelas mães no texto.
“É importante que essa genitora se empodere e tenha confiança no ato de amamentar, justamente para passar por tais incomodos com tranquilidade e tendo a certeza de que não está fazendo nada de errado”, avalia a especialista. “A partir daí, ela terá condições de lutar por seus direitos e ser um agente transformador, como fez o casal de São Paulo (mostrado no início da reportagem), a partir do momento que tornaram público o constrangimento pelo qual passaram”.
*Autora: Vivian Ortiz, colunista da UOL. Link original: http://bit.ly/2m7S2E7
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