Infância e tecnologia
Como educadora os assuntos que permeiam a infância em seu território poético e potente me chamam a atenção e me levam quase que por impulso vital correr atrás de informações, opiniões, estudos que possam colaborar em minhas reflexões e, principalmente, que possam permitir ações equilibradas que não se reduzam a discursos morais e politicamente corretos sobre o tema “Infância e Tecnologia”.
O uso das tecnologias na infância ultimamente vem ocupando espaços significativos nas rodas de conversa, desde as acadêmicas, científicas e profissionais que atuam diretamente ou não com a infância e profundamente nas famílias.
A tecnologia como alicerce da modernidade
A tecnologia na sociedade contemporânea passou a ocupar um lugar de referência na vida profissional, na aquisição de conhecimento, no lazer, nas relações e, as crianças nascidas nesse novo século, onde a tecnologia é o alicerce da modernidade e das ações do meio social, crescem sustentadas pelos tabletes, celulares, computadores, games, netflix, redes sociais, etc.
Os nossos temores na verdade, perpassam pelo impacto que o uso indiscriminado das tecnologias pelas crianças possa atingir o seu desenvolvimento emocional, cognitivo e a sua saúde física e mental.
Esses dias tive acesso a uma pesquisa interessante realizada pela AVG Technologies, com famílias de todo o mundo, onde mostrou que 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade conseguiam usar jogos de computador, 47% sabiam como usar um smartphone, mas apenas 14% eram capazes de amarrar os sapatos sozinha. No caso das crianças brasileiras, o levantamento apontou que 97% das crianças entre 6 e 9 anos usam a internet e 54% têm perfil no Facebook.
O equilíbrio do uso tecnológico
Parto então por um caminho que considero mais seguro, “nem tanto ao mar nem tanto à terra”, pois penso e venho em minha prática educativa, cada vez mais me aproximando do “caminho do meio”, todo exagero faz mal.
Em maio participei de um grupo de estudos nas escolas de infância em Reggio Emilia, cidade ao norte da Itália, onde uma das mesas o tema foi “Natureza digital – investigação da creche à escola primária”, onde a pedagogista Maddalena Tedeschi trouxe algumas reflexões. A criança desde cedo brinca com o imaginário, o digital permitiu de maneira mais próxima, mais natural a realização disso, o potencial de imagens da criança se expande, o digital casa bem com mente complexa. Somos hoje naturalmente digitais.
Penso então que é natural o uso da tecnologia e da linguagem midiática na infância. Me reporto ao poema de Loris Malaguzzi “As cem linguagens da criança” onde poeticamente descreve a potência da infância através das centenas de linguagens que ela possui. O conhecimento não pode estar separado do mundo, e para ter significado e gerar aprendizado precisa estar contextualizado com a realidade das crianças, e os recursos tecnológicos, midiáticos e digitais também entram nesse contexto.
As indagações que nos inquietam é conjugar essa linguagem com todas as infinitas possibilidades das outras linguagens. É preciso abrir o debate sobre a relação entre as linguagens midiáticas e a infância, além de como os recursos tecnológicos, digitais e as mídias estão presentes e sendo utilizados.
https://www.youtube.com/watch?v=SCvowxF5Ph8
Qual é a medida certa?
Não é tarefa fácil encontrar a medida certa no uso das ferramentas tecnológicas pelas crianças, mas é responsabilidade nossa, dos adultos, cuidar dos nossos meninos e meninas para que possam significar suas investigações, levantar suas hipóteses, criando e recriando seus significados.
Permitir ou não permitir, limitar ou não limitar o tempo de uso, não é necessariamente a solução.
Cabe sim estarmos presentes nas descobertas da infância, cabe sim exercitarmos o diálogo respeitoso, cabe sim desenvolvermos uma escuta atenta, e isso só é possível no contato humano, tarefas que nenhuma tecnologia poderá substituir!
*Autora: Rosa Bertholini, Pedagoga, fundadora da Escola Teia Multicultural e diretora pedagógica da Educação Infantil. Pesquisadora dos encantos da primeira infância – de 0 a 6 anos. Mãe de 4 filhas que já foram crianças, vó de 6 e tutora de umas 100 crianças que alegram e dão sentido a minha missão de educadora.
Material publicado originalmente no blog do Cacá e cedido gentilmente para compartilhamento no 4daddy.