Contribuições da psicanálise para criar crianças com boa autoestima
Você já deve ter se perguntado sobre como desenvolvemos a autoestima, de onde surge na nossa infância essa percepção de nós por nós mesmos. Assim como já deve ter passado pela sua cabeça, ao presenciar uma fala ou atitude de alguém com baixa autoestima, o que deve ter acontecido para que uma pessoa tenha essa visão tão negativa de si mesma.
Um dos ensinos da psicanálise lacaniana fala sobre o Eu ser formado a partir do olhar de um Outro, que começa com o estágio do espelho, aquela fase por volta dos 6 meses de idade em que o bebê começa a se reconhecer pelo reflexo do espelho. Em um primeiro momento o bebê identifica o adulto que o olha e é a partir do olhar desse adulto para o bebê, no espelho, que a criança percebe uma imagem projetada de si mesma.
O espelho é a simbologia mais clara para nos fazer entender a construção da primeira imagem que formamos de nós, ao mesmo tempo que aprendemos e nos desenvolvemos copiando aquilo que experenciamos na primeira infância, também construímos nossa identidade a partir da imagem que nos vemos refletidos pelo olhar do Outro.
O papel do observador
Se uma criança cria a imagem de si a partir do olhar de um Outro, ser o protagonista desse olhar é uma responsabilidade enorme. Esses Outros: mães, pais, cuidadores terão o principal papel nos estágios iniciais da vida de uma criança e podem contribuir para a criação de complexos sobre a imagem que a criança fará dela mesma e que acompanharão seu desenvolvimento até a vida adulta.
Mas não adianta então só reforçar para a criança o quanto você a acha inteligente, linda, especial, se a pessoa que está nessa função parental tem uma relação insegura com si própria. Vale lembrar: o olhar pelo espelho reflete tudo, inclusive o olhar que o Outro tem sobre si mesmo. É muito difícil criar crianças seguras e com boa autoestima se as pessoas que as estão criando não desenvolveram, elas próprias, autoestima e segurança pessoal.
Somos humanos e criados por outros humanos e a falha ou a falta são inevitáveis, não existe uma pessoa que passe ilesa por momentos de baixa autoestima e inseguranças em geral e ninguém aqui está falando que para desenvolver uma boa autoestima da sua ou seu filha/filho será necessário não ter mais questões consigo, se aceitar e se amar incondicionalmente. Mas o contrário, se odiar e se colocar pra baixo o tempo todo, podemos dizer que é receita infalível para promover insegurança sobre a autoimagem de qualquer criança.
Mães e pais suficientemente bons
O pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott observou e desenvolveu um conceito muito interessante sobre a maternidade principalmente, mas que pode ser aplicada de forma geral a quem tenha a função de cuidador de uma criança, o conceito de ser suficientemente bom. Ele fazia um teste com mães e bebês em seu consultório, sem prévio aviso, deixava um instrumento seu de trabalho, que costumava chamar a atenção da criança e observava a reação do bebê e da mãe. Haviam aqueles bebês que tentavam alcançar o instrumento e a mãe tirava de perto dele, aqueles em que ao primeiro sinal de movimentação da criança a mãe pegava o objeto e entregava ou deixava-o brincar na mão dela e aquela mãe que deixava a criança alcançar sozinha o objeto, sem ajudá-la e algumas conseguiriam pegá-lo e outras não, mas havia o exercício da tentativa. Ali surgiu o que ele nomeou de mãe suficientemente boa, que seria aquela que está por perto para assessorar, mas que não interrompe a investigação e independência da criança, e sim confia nela e apenas observa cuidadosamente.
Que jogue a primeira pedra quem nunca sentiu angústia ou tentou ajudar uma criança tomando seu lugar, se colocando como aquele que entrega o objeto ou dá a resposta pronta. Nós temos pouca tolerância para lidar com a angústia das crianças, achamos melhor já resolver logo, pra que deixar ela sofrendo ou fazer ela chorar daqui a pouco por não ter conseguido alcançar o que queria? E também temos a nossa insegurança de nos mostrar como pais e cuidadores espertos, inteligentes, ágeis e precisamos muitas vezes mostrar nossa capacidade para também receber um olhar de aprovação da criança.
A questão é que aguentar a angústia das crianças e principalmente a nossa própria, se tornar um observador atento, participativo, que olhe com encorajamento e não cobrança ou ansiedade para que a criança consiga atingir seus objetivos é a maneira mais segura de criar adultos independentes e corajosos, que lidem de forma menos sofrida com os percalços da vida e confiem em si mesmos na hora de tomar decisões no futuro.
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O olhar, uma forma de alimentação
Esse olhar presente, não julgador, que demonstra confiança e apoio se necessário, mas que não cobra nem espera nada da criança é o que irá alimentar mais do que sua autoestima e uma boa imagem de si mesmo, também a capacidade da criança criar independência e confiança sem necessitar o tempo todo de outros para isso.
Cada vez mais nós mesmos e as crianças estamos procurando por aprovação no olhar dos outros, as redes sociais são uma prova presente disso, nos colocamos o tempo todo em destaque para sermos vistos e recebermos aprovação e isso é um dos reflexos de uma construção com os observadores na nossa infância. Os pais que colocam a criança em destaque no seu olhar e com ele promovem aceitação o tempo todo: como a criança é especial, como ela é diferente, como é incrível e superior e também o outro extremo, a falta absoluta de olhar, o desinteresse, os pais que estão mais interessados nos seus próprios universos e tem dificuldade de se interessar pelos interesses e universo da criança, causam praticamente o mesmo efeito, crianças e futuramente adultos sedentos por olhares aprovadores.
Mas como construir um olhar imparcial?!
É ninguém disse que seria fácil, mas a questão é que pra conseguir olhar atentamente mas promovendo um olhar livre de julgamentos e expectativas sobre a criança precisamos antes voltar e compreender a forma como aprendemos a olhar para nós mesmos, como estamos trabalhando com nossa própria autoestima e confiança e, uma vez que somos formados e condicionados a nos olhar de determinadas formas desconstruir isso é uma missão que precisa acontecer de dentro pra fora, é necessário refazer o caminho desse olhar e construir uma nova forma de nos enxergarmos no mundo.
A psicanálise é um caminho para reconstruir esse olhar e nossa própria história e nos tornar mais próximos de uma possibilidade ética de criar sujeitos em sociedade, que não sejam tão carentes dos olhares externos e nem se achem no direito de fazer o papel de julgadores da imagem alheia.
*Autora: Luísa Toledo, psicanalista lacaniana em busca um mundo mais ético e justo a partir da transformação individual para a construção de um novo coletivo. Sócia-fundadora do Psicanalisar-se.
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